Pensar é pouco mais que tatear

Somente suas atitudes podem definir seu futuro.

sábado, junho 24, 2006

Contrato consigo mesmo

Nobre colega leitor. Meu primeiro post jurídico neste blog é fruto do que eu poderia chamar de loucura do legislador. Caso eu consiga “tocar” este blog, veremos muitas loucuras de nossos queridos legisladores. É bom lembrar que as opiniões aqui expressadas são nada mais que análises críticas – e bota crítica nisso – de artigos, conceitos e princípios legais, que regem a esfera do ordenamento jurídico brasileiro, em suma, sua vida. Não podemos esquecer também, que estas opiniões podem não ajuizar a real intenção, vontade, ou verdade, a respeito do Direito. Todos os assuntos aqui tratados nada mais são que teses ou proposições a respeito de nosso ordenamento, e como a tese é minha, eu falo o que eu quiser e bem entender.

Código Civil – Art. 137 – Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

Vou começar admoestando este artigo. Eu gostaria de obter uma resposta, convincente, a respeito da confusão que o legislador arruma quando tem de compor um artigo. Precisa dar uma volta deste tamanho (não vou quantificar o tamanho aqui, pois não caberia em 500 milhões de páginas) para escrever uma coisa simples? Acho que ficaria melhor assim:

Código Civil – Art. 137 – É proibido celebrar contrato consigo mesmo, exceto se a lei ou o representado permitirem, sob pena de anulação do negócio jurídico.

Além de menor, ficou mais claro. Simples, não?

Ai você me pergunta, que diabos são contrato consigo mesmo?

Primeiro é necessário localizar o nobre colega leitor, caso essa localização seja realmente necessária, creio que nem tão nobre assim seja o colega. Não me entenda mal, quando digo nobre colega, faço uma referência a estudantes de Direito, juristas (será que algum deles um dia lerá estas notas?) e políticos corruptos, não necessariamente nesta ordem. Aquele que não é um “nobre colega” necessita de um esclarecimento melhor, para não ficar “a ver navios”, e, assim como eu, achar que neste blog só têm bestice.

O Art. 117 está localizado na Parte Geral do Código Civil, no Livro III (3) – Dos Fatos Jurídicos, Título I – Do Negócio Jurídico, Capítulo II – Da Representação. Parece a bíblia, de tantas localizações e subtítulos. Vamos nos ater ao assunto.

O contrato consigo mesmo é nada mais que um “autocontrato”. Um contrato em que você é o contratante e o contratado, o representante e o representado, ambos os dois (como diz um nobre colega meu, na realidade ele diz ambos os três) num só corpo.

Para que um contrato tenha validade, que produza todos os efeitos desejados pelas partes, aquele tem que preencher alguns requisitos, estes requisitos têm que ser presentes antes e durante a promoção do contrato. Os requisitos a priori, os que vêm antes da celebração do contrato, são denominados pressupostos, um exemplo clássico é a capacidade das partes. Aqueles requisitos que devem estar presentes durante a celebração do contrato nada mais são que os elementos do contrato. Para não ficarmos indo e vindo com pressupostos e elementos, vamos amontoar esses nomes e denominar apenar de requisitos dos contratos.

O Professor César Fiúza divide os requisitos em objetivos, subjetivos e formais. Eu classifico a divisão dele: Objetivos são objetivos mesmo e não têm tradução, nada mais é que o objetivo do contrato, do negócio, ou de qualquer outra coisa da qual você queira chamar. Requisitos formais são os ditames da lei, a forma que o contrato deve ser celebrado, a parte burocrática, as regrinhas básicas para os atos jurídicos. Requisitos subjetivos, que é a parte que nos interessa, estão mais ligados aos princípios do Direito Contratual, poderíamos dividir em Capacidade, Consentimento e Pluralidade de Partes. Este último é o que mais nos interessa no momento.

Acho complicado definir pluralidade de partes, pois é pleonástico exigir que num contrato haja pluralidade de partes, já que contrato (do Latim Contractu), é o acordo entre duas ou mais pessoas, com a finalidade de adquirir, resguardar ou extinguir direito. A própria palavra já traz explicito Com + Trato, ou seja, trato com alguém.

O Contrato consigo mesmo é a falsa ausência de duas partes. Pois o sujeito de direito, atua em seu nome e em nome de outrem. Vamos ao exemplo do Professor César Fiúza:

“A” vende a “B” um imóvel. No dia de assinar a escritura, “A” outorga procuração a “B” para assinar em seu nome. Assim, “B” assinará a escritura em seu próprio nome e em nome de “A”. Na escritura constará apenas a assinatura de “B“, o que levou à expressão contrato consigo mesmo.

Nota-se que somente um sujeito assinou, existiu momentaneamente um só sujeito de direito. Contudo é, a meu ver, muito forçado o uso da expressão contrato consigo mesmo. É mais um modismo, uma piadinha de mau gosto com o Direito. Meu ponto de vista a respeito é o de que não existe contrato consigo mesmo, visto que “A” expressou sua vontade e outorgou a “B”, através de uma outra declaração de vontade, a possibilidade de assinar por ele. Em momento algum “A” tem sua vontade iludida por “B”. Há apenas uma cessão de direitos de “A” em face de “B” em razão de um ato meramente formal, “A” não sai lesado, nem prejudicado, e sua vontade permanece a mesma.

Algumas situações podem ocorrer, de forma que venha a dificultar a compreensão do leitor, quanto ao referido pensamento. Podem surgir dúvidas a respeito, por exemplo, de um curador, tutor, testamenteiro, administrador, ou qualquer outro representante; tentar vender a si os bens confiados a sua guarda, ou administração. Esta situação é imaginável, contudo, é inviável, uma vez que o código traz explícito no Art. 117, conforme foi supracitado: Salvo se o permitir a lei ou o representado. Nestes casos, a lei não permite e ponto final.

Ponto final também no assunto, não há de se falar em contrato consigo mesmo, não existe do ponto de vista formal, apenas no sentido figurado. E mais uma vez, ponto final.

Saudações

Eduardo de Oliveira Xavier